22 agosto 2007

Perfeita Maionese

Tudo o que João Pedro queria era a mulher perfeita. Buscava por isso como se fosse a procura pela verdadeira maionese, e como se por ironia do destino havia achado a verdadeira maionese, mas jamais encontrara a mulher perfeita. Perdeu anos de sua juventude nessa pequena busca infrutífera, pensando consigo mesmo que tal mulher não existia.
Sentado em casa bebendo o seu café amargo recordava-se das mulheres que já haviam passado pela sua vida, e lembrou que todas elas possuíam pedaços de características que num todo, chegariam a ser a mulher que tanto desejava. Pensou em Letícia, que não possuía nada de especial em termos de beleza, mas era dotada de inteligência e cultura superiores. Lembrou-se de Carla, que era jovem e linda, com o rosto e o corpo mais bonitos em que já pôs as suas mãos, mas em compensação lhe faltava discernimento para juntar mais de cinco palavras numa frase. Entre todas, essas eram as mulheres que mais lhe faziam falta. Uma pela conversa nos bares e em casa, que tomavam horas de discussões sobre cultura, política e religião; e a outra pelas horas de prazer que eram proporcionadas em todos os cômodos da casa.
Depois de muitos balanços de sua vida, vendo que esta passava como um carro sem freio em direção ao curto túnel entre a velhice e a morte, João resolveu que era hora de parar. Decidiu assumir a sua identidade de solteiro e entregar-se a viver a vida da melhor maneira que pudesse, estando ao lado de uma mulher ou não. Foi então que o destino decidiu intervir como só ele mesmo pode fazer.
O nome dessa intervenção: Anna. João conheceu Anna numa noite de sábado chuvoso em uma dessas cantinas tão tradicionais que os candelabros com as velas acesas sobre a mesa pareciam ter vindo direto do século XIX, e onde a comida era tão magnífica que atraía público vindo de longe para apreciar a delicada arte culinária da dona do local. João estava sentado em uma mesa num dos cantos esperando um pequeno grupo de amigos quando vislumbrou Anna deslizando pelo restaurante acompanhada de uma amiga.
No momento do primeiro encontro, João teria ficado paralisado. Atônito. Ele mesmo tinha certeza de que não conseguiria olhar de novo em outros olhos senão aqueles castanhos que o miravam com tanta firmeza. Anna, que sabia que João a apreciava, em momento algum ficara envergonhada ou inibida pelos olhares. Não só retribuía como também se insinuava para João de maneira que este nunca tinha visto em mulher alguma. Mas não era só o jeito feminino, a personalidade forte e cativante e a beleza de Anna que apaixonaram João. Beleza essa que poderia ser comparada a um afresco dos grandes mestres das catedrais da Europa. A inteligência e a cultura de Anna aguçaram ainda mais a vontade de tê-la ao seu lado. Ambos sem se conter, logo após o jantar e muitas taças de vinho, se entrelaçaram em um demorado beijo, que acabou por levar o casal até o apartamento de Anna. Em um furor incontido levado pelo álcool e pela paixão, passaram a noite acordados, cada um fazendo do corpo do outro o seu próprio num ballet de pernas e braços emaranhados, que se repetiram várias vezes com o passar da madugrada.
O interesse de um pelo outro gerou depois de poucos encontros um compromisso. Anna sentia-se feliz ao lado de João. Mas João, esse sim poderia dizer com todo o orgulho de seu peito que encontrara a mulher que tinha procurado durante anos.
Não era só o fato de ser uma mulher bonita e inteligente. João gostava de tudo nela. Acordar ao seu lado e vê-la de cabelo espalhado, o bigodinho de açúcar que ficava em seus lábios quando comia um sonho de padaria, aquele pequeno tique de morder a ponta da caneta enquanto trabalhava ou até mesmo a mania que chegava a ser implicante com as coisas em ordem dentro de casa.
...
Cheiro de queimado. João sentia sempre. Havia momentos em que achava que era a sua mente tentando deixá-lo maluco, ou se era por causa do braço queimado no incêndio levou o amor de sua vida, sua saúde e um pedaço da sua própria carne. Via-se sentado novamente naquela barra do farol onde espalhara as cinzas de Anna. Achava cômico cremar alguém que morreu queimado, mas esse foi o desejo da família dela, e João já estava cansado de divergir com eles a respeito de qualquer coisa.
Não sabia porque mas parecia que o farol sempre chamava por ele. Era a única companhia que tinha. Perdera os amigos e a família que não suportava mais a revolta com o destino que tinha levado até ele a mulher de sua vida, acabara levando ela de uma maneira tão brutal.
Sentia-se sozinho sempre. Nada mais importava pra ele. Queria precipitar-se nas águas, que revoltas, pareciam chamar-lhe para um último salto. Mas falta a coragem a João. Sabia que teria que sofrer a dor da perda pelo resto de sua vida. Era a sua missão. O seu karma.
Sentia que seria perda de tempo procurar outra mulher para preencher a falta que sentia dela. Já procurara. Nenhuma mulher era boa o suficiente. Comparava as outras que possuía apenas por necessidade carnal. Não era o mesmo corpo bronzeado, os mesmos seios macios e as pernas grossas. O cabelo ondulado ou aqueles olhos castanhos que o prendiam. A inteligência de professora, de quem tinha paciência não só pra ouvir, entender e debater, mas também pra ensinar. Jamais passaria a madrugada sentado na poltrona no canto do quarto olhando qualquer outra mulher dormir, como fazia com Anna, e ela nunca ficaria sabendo. Não tinha vontade de dedicar-se a outro amor como antes, porque sabia que o sentimento que tinha não iria se repetir. Não se duplicaria.
Restava apenas a João chorar pelo amor perdido e pelo sentimento entranhado em seu coração, porque o verdadeiro amor não chega duas vezes. Por isso se chama amor verdadeiro.

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