22 janeiro 2007

Galope

-Pois sente aqui meu caro e pensa o que tem de bom nessa estrada de pedra, onde eu sento todo dia pra olhar a morena passar. Sabe aquela morena que passa todo dia montada num cavalo, com um vestido azul marinho, pés sem calçados e um olhar naqueles olhos escuros, de onde eu poderia me perder pra sempre. Pois me sinto um frouxo de não chegar e falar pra ela que poderia ser eu o homem dos olhos dela, e que só seria metade do caminho porque ela já é a mulher dos meus. Sentado aqui dia após dia eu vejo passar todo tipo de carro, embarcação e caminhão, mas não tem nada mais bonito que ver ela que me toca o coração.
-Sei lá quem é ela, que pergunta besta, não te disse que não falo nunca com ela, e o máximo que já troquei de informação foi um olhar tímido. Pois sabe que se pra ela foi um olhar rápido de que ela nem deve lembrar, pra mim pareceu uma passagem de tempo parado daqueles que a gente vê em filme de amor.
-Não falo com ela porque sou um frouxo, já disse. Não consigo. Simplesmente me baixa a cortina ignorância que transforma esse cidadão que todos julgam culto num típico candidato à escolinha noturna. E você sabe que não tenho problemas pra tratar com ninguém. Discuto política com mendigo e futebol com advogado. Mas ela passa por aqui e as pernas tremem e me bate uma moleza no corpo que me paralisa.
-Pois então tu acha que eu não sei que eu posso tá me privando da minha felicidade. É claro que eu sei pô. Mas saber que ela pode me dizer um não e virar as costas pra mim, aquelas costas que eu desejo beijar e acarinhar e abraçar com tudo o que os meus braços podem dar isso seria o fim pra mim. Além do mais eu sou um cara que não tem nada além do que as pessoas julgam ser inteligência ou esperteza, não sei. Tudo o que eu quero ou preciso os outros me dão. Como eu ia sustentar um luxo de por um sapato no pé dela, o senhor pode imaginar?
-É só o que eu quero. Sentar aqui e me sentir o mais próximo possível dela. Pra que o senhor pode pensar. Um dia alguém me disse que a felicidade é um trem que bate desgovernado no coração e arrebenta a gente de sorrisos. Essa é a diferença. A minha felicidade vem a galope num cavalo tranqüilo. Ela só anda mais devagar.
-Pois sempre que quiser apareça, tenha uma boa tarde o senhor também, meu caro.